Gerações
- raquelmsarmento
- 26 de set. de 2014
- 4 min de leitura
Pensar nas diferentes gerações e suas particularidades hoje parece mais necessário que nunca.
Estamos vivendo mais um momento de mudança muito grande na relação das pessoas com o trabalho. E as gerações mais novas estão levantando essa questão com muito mais coragem do que as anteriores.
Me lembro quando eu era pequena e vi meu pai passar vários dias fora de casa, porque houve uma greve, o sindicato estava na porta da fábrica saia não entrava mais. Como meu pai era chefe, resolveu ficar lá dentro, para poder tentar dar continuidade ao trabalho, independente do que estava acontecendo lá fora.
Eu pessoalmente, já virei madrugadas dentro da empresa, não por pressão externa, mas por uma intenção genuína de dar o meu melhor, naquela que na época eu achava que era a esfera mais importante da minha vida, minha carreira. Ora, eu sou geração X, me vejo representada em vários filmes que mostram aqueles profissionais que dedicavam 120% do seu tempo e pensamento no trabalho, na carreira, e no lado profissional, como se não existisse mais nada que me “significasse”. Já levei muito notebook para a cama, já almocei qualquer coisa que pudesse ser deglutida numa sala de reunião, já deixei meu filho esperando na escola até eu terminar um documento importante. E hoje, quando olho pra trás, não me orgulho de nada disso.
Mas algo mudou na minha perspectiva e eu tenho certeza que isso aconteceu no momento certo na minha vida, mas também que foi influenciado por um movimento da sociedade em prol da maior “qualidade de vida”. Na minha visão, os jovens da geração Y e Z, entrando no mercado de trabalho, transgredindo regras e formas de enxergar carreira e sucesso, contribuíram enormemente para que nós, de gerações anteriores, começássemos a descobrir que havia mais coisas em nossas vidas do que apenas o lado profissional.
Os questionamentos sobre os processos intermináveis, sobre a dedicação além das horas comerciais, sobre o significado do sucesso e a real questão que envolve o poder e o dinheiro começaram a suscitar dúvida em muita gente.
Pergunta uma grande rede do varejo o que eu faço para ser feliz e eu costumava responder “sou gerente de desenvolvimento organizacional de uma multinacional de grande porte, com x projetos importantes e de projeção global” e só há pouco tempo descobri que a pergunta era “para ser feliz” e não “para ter sucesso”... Para ser feliz eu sou mãe, sou voluntária, cozinho, leio bons livros, trabalho com desenvolvimento de pessoas e consigo enxergar no meu trabalho o valor que me diferencia dos demais e as horas que seguramente eu passaria me dedicando àquela atividade mesmo que não me pagasse um centavo... Ah, minha perspectiva de felicidade mudou, e a visão que eu tenho de trabalho, carreira e sucesso também.
Por isso consigo compreender os jovens que não se sentem inexoravelmente atados a uma empresa porque o salário é bom ou é uma marca conhecida e respeitada. O trabalho deve ser uma parte da vida, não a vida toda, e além disso, precisa significar alguma coisa.
É com isso que os empresários, executivos e os recursos humanos vêm se debatendo, lutando contra os números descontrolados de absenteísmo e turn over, tentando entender que bicho mordeu os profissionais... o bicho Y.
Em busca constante pela qualidade de vida, que engloba sim um tempo de lazer, de autoconhecimento, de família, mas também um tempo para trabalhar e estudar, o Y quer mais equilíbrio, o equilíbrio que eles não reconhecem nos seus pais e outros das gerações anteriores. Um equilíbrio semelhante em alguns aspectos ao dos veteranos, que tinham horário de entrada e saída e almoçavam em casa, e viviam as vidas fora do expediente e não se designavam pela profissão que exerciam, mas pelo que eram como pessoas, suas crenças e valores, sua “honra”, mas ainda mais completo, porque inclui a vida profissional sem fazer dela o ponto principal, mas também o significado daquilo dentro de um universo muito mais amplo, onde as pessoas tem sua individualidade mas também tem sua parcela dentro de um todo que é a sociedade, a natureza, o universo ao qual pertencemos.
Ainda não conseguimos dizer o que será o trabalho para as gerações posteriores. Mas me encantei pela visão da geração Y.
Certamente, hoje não quero esperar a aposentadoria para fazer o que gosto e muito menos para curtir as outras esferas da minha vida. Quero fazer tudo ao mesmo tempo agora, e com muita energia e com muita iniciativa para mudar o mundo à minha volta.
Não me contento mais com cumprir horas de serviço e ganhar um “ordenado”. Meu trabalho precisa fazer sentido para mim e para o mundo em que eu vivo. É uma parte pequena, mas é a minha parte.
Por mais que haja conflito entre as diferentes gerações e entre a maneira como as empresas estão estruturadas versus a forma como as novas gerações de profissionais encaram o trabalho, precisamos compreender que este caminho não tem volta. A cada novo integrante de uma equipe, a cada mudança que ocorre na sociedade, a cada profissional que deixa a empresa em busca de algo a mais, nos deparamos com uma nova realidade que altera nossos valores em relação ao trabalho. As empresas vão começar a se adequar com o tempo, e os profissionais de outras gerações também vão começar a compreender que essa forma de ver o trabalho pode ser muito positiva.
Fato é que assim como em qualquer mudança, vamos ainda passar pela fase de negação, resistência, aceitação e por fim, adaptação e melhorias contínuas. Certamente, o processo será mais tranquilo e até atraente para algumas pessoas e empresas, e mais doloroso e demorado para outras.
Encarando a questão de frente, conseguimos aumentar a autoconsciência e responsabilidade sobre nossas ações. Encarando as diferenças como reais e possíveis de se compreender é possível conviver em maior harmonia.
É preciso aceitar, compreender, acolher e finalmente, compartilhar.
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